MULHERES DE AÇO

PROTAGONISMO FEMININO NA GREVE DE 1988 NA CSN

  • Edimilson Mendonça de Araújo UGB
  • Isabel Nascente Reis

Resumo

RESUMO


O presente artigo busca analisar a atuação de mulheres no período da greve de 1988 da Companhia Siderurgia Nacional (CSN), então localizada na cidade de Volta Redonda, interior do Estado do Rio de Janeiro. O objetivo principal da pesquisa era identificar traços da atuação feminina nas articulações da greve de 1988, que pode ser considerada a mais expressiva e contundente desde a criação da Companhia em Volta Redonda. A hipótese inicial sustentava a ideia de que as mulheres tiveram uma participação muito significativa na greve, e não apenas o papel de coadjuvante como é vista na grande mídia e até mesmo em publicações acadêmicas. O método utilizado foi o da oralidade, onde foram realizadas entrevistas com mulheres que representavam diversas instituições estratégicas da cidade no período em questão. A partir dos relatos colhidos e da análise de bibliografia sobre o tema, foi possível constatar diferentes formas de atuação entre as mulheres no período da greve, que segundo a hipótese inicial, deram suporte indispensável para o acontecimento de tal evento.


 


Palavras-chave: Atuação feminina. Greve de 1988. CSN.


 


 


INTRODUÇÃO


 


A greve de 1988 da CSN, localizada em Volta Redonda no interior do Rio de Janeiro, foi um acontecimento que abalou as estruturas de toda a cidade. Em busca do cumprimento de uma nova constituição, no dia 7 de novembro de 88, 20 mil trabalhadores da CNS e da empresa coligada Fábrica de Estruturas Metálicas (FEM), aderiram à greve que assumiu um caráter avançado: a greve de ocupação.


A usina foi ocupada por 3 mil operários. No dia 09 de novembro, a empresa foi invadida pelo exército resultando na morte de três operários. Esta investida foi tão devastadora que, além da extrema violência destinada aos grevistas, a população local e pessoas da imprensa foram agredidas.


Neste artigo analisamos a partir da criação da CSN, em 1941, e percorremos até o dia crucial da greve, em 9 de novembro de 1988, utilizando como referência o livro de Edílson Graciolli, “Um caldeirão chamado CSN: resistência operária e violência militar na greve 88”, bem como a tese de doutorado de Regina Morel, “A ferro e fogo – construção e crise da ‘família siderúrgica’: o caso de Volta Redonda (1941 – 1988)”. Esses, em especial, conversaram diretamente com o propósito deste artigo que foi descrever o ambiente da greve.


A hipótese inicial deste artigo sustenta a ideia de que as mulheres tiveram uma participação muito significativa na greve, e não apenas o papel de coadjuvante como é vista na grande mídia e até mesmo em publicações acadêmicas. Para isso, utilizamos o método da oralidade, onde foram realizadas entrevistas com mulheres que representavam diversas instituições estratégicas da cidade no período em questão, a saber: CSN, Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda, Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação de Volta Redonda (SEPE-VR) e Cúria Diocesana de Volta Redonda e Barra do Piraí.


A partir dos relatos colhidos e da análise de bibliografia sobre o tema, foi possível constatar diferentes formas de atuação entre as mulheres no período da greve, que segundo a hipótese inicial, deram suporte indispensável para o acontecimento de tal evento.


 


ATUAÇÃO FEMININA NA GREVE DE 1988 DA CSN


 


A greve de 1988 da CSN deixou profundas marcas na cidade de Volta Redonda e região. Nesse momento, os principais órgãos apoiadores da greve eram essencialmente liderados por homens. No interior da usina, muitos destes permaneceram em resistência pela vitória das causas trabalhistas. Sobretudo, pouco se sabe da atuação feminina nesse momento e em que espaço ela foi inserida.Nesse tópico, pretendemos mostrar como as mulheres deram a base para a sustentação dessa resistência e como articularam em torno da grave.


 


Com o fim da chamada “família siderúrgica”[1], em meados da década de 70 e começo de 80, surgiramem Volta Redonda diversos órgãos apoiadores das causas sociais e trabalhistas. Além das militâncias políticas como a CUT e o PT, surgem também as Comunidades Eclesiásticas de Base, a Comissão Pastoral da Terra, a Pastoral da Juventude e a Comissão de Direitos Humanos, que descentralizavam essas organizações de apoio para as periferias com o auxilio da Igreja Católica.


 


“Os movimentos sociais urbanos organizaram-se em bases locais, enraizando-se na experiência cotidiana dos moradores das periferias pobres, dirigindo suas demandas ao Estado como promotor de bem-estar social. Organizados em torno de reivindicações de infraestrutura urbana básica (água, luz, esgoto, asfalto e bens de consumo coletivos), esses movimentos têm como parâmetro o mundo cotidiano da reprodução – a família, a localidade e suas condições de vida – que caracteriza a forma tradicional de identificação social da mulher”.[2]


 


Por mais que as lideranças sindicais, partidáriase sociais fossem essencialmente masculinas, foi através dessas organizações periféricas que se fez possível um diálogo entre as mulheres de toda a cidade formando uma grande rede de cooperação entre elas.


 


“Eram mulheres das Comunidades Eclesiásticas de Base, eram mulheres do Partido dos Trabalhadores, eram mulheres militantes, eram mulheres sindicalistas, donas de casa (...)”[3]


 


No momento em que a greve de 1988 veio à tona, essa rede de cooperação ganhou um formato maior.Essas mulheres passaram a se reunir periodicamente com o objetivo de organizar apoio aos maridos e aos demais trabalhadores que estavam no interior da usina.


 


(...) “as mulheres que já tinham uma vivência e um debate feminista e que eram militantes naquele momento, se organizavam pra poder, inclusive, dar força pras outras mulheres. Porque se tinham mulheres que de fato estavam juntas e apoiavam os maridos, também tinham as mulheres que ficavam amedrontadas, né? Principalmente depois do assassinato”. [4]


 


O que pouco se sabe é que durante os dias da greve, houve diversas formas de resistência por parte dessas mulheres. Algumas delas seguravam seus maridos em casa para que eles não fossem para a usina com o medo de que ocorresse alguma tragédia. Em contrapartida, muitas mulheres dessa rede ocuparam as ruas e se uniram às manifestações. Outras resguardavam suas moradias e construíam barricadas nas entradas dos bairros para que os carros da CSN ou do Exército não ultrapassassem aqueles limites.


Até mesmo nos momentos mais simbólicos da opressão militar, as mulheres que resistiam nas portarias da usina tentavam criar um cordão de isolamento para proteger seus maridos e familiares dos ataques violentos.


No instante em que General José Luiz autorizou a invasão do exército na Usina, muitas mulheres que ainda estavam nas proximidades da CSN foram amparadas pela Igreja Católica.


A Cúria Diocesana, situada no bairro Vila Santa Cecília, muito próxima a CSN, serviu de abrigo para que essas mulheres pudessem se isolar da confusão. Conceição, em seu relato, conta sobre os momentos de terror vividos dentro da Cúria diocesana nesse dia. Segundo ela, quando os militares se deram conta de que havia mulheres se abrigando naquele local, eles partiram para cima com bombas de pequeno porte. Segundo Conceição, se ouvia um barulho ensurdecedor do lado de dentro da Cúria. As portas foram arrombadas, e os que lá estavam conseguiram escapar.


Alguns atos de terrorismo militar similares a esse, também foram vivenciados nos arredores da CSN, como é visto no relato de Maria das Dôres:


 


A violência foi grande! Porque de cima do Escritório Central eles tinham um centro de comando lá do Terceiro batalhão, Terceiro exército, aquele que veio de Juiz de Fora, e eles jogavam aqueles sinalizadores pra mostrar onde tinha gente. A gente via aqueles sinalizadores que eles jogavam onde tinha gente pra dispersar. E isso causava muita correria. Houve também pela própria polícia, e também tem fotos que comprovam isso, quebrando lojas e estabelecimentos ali na Vila.[5]


 


Além dos ataques contra lojas e estabelecimentos, os militares agiam de maneira extremamente violenta contra quem passava pela Vila Santa Cecília naquele momento. As pessoas que voltavam de seus trabalhos, mulheres e até mesmo crianças não foram poupadas das surras de cassetetes.


Voltando a falar da rede de cooperação que se formou entre as mulheres, outra parcela desse grupo atuava na sede do Sindicato dos Metalúrgicos.


Muitas dessas mulheres foram para a porta da fábrica panfletar, na época de greve elas foram pra junto dos Piquetes[6]. Várias delas ficaram anos no Sindicato fazendo isso. Eram tipo secretárias, mas que foram para a militância.Não eram exatamente metalúrgicas, mas eram funcionárias do sindicato e contratadas também.[7]


 


As mulheres articulavam até mesmo em seus ambientes de trabalho. Prova disso é que no instante em que estourou a greve, havia funcionárias de plantão no sindicato, virando a noite para organizar maneiras de resistência.


 


Tinha uma historiadora que era a Jessie Jane, jornalista do sindicato que montou um centro de memória operária, tinha eu que trabalhava com formação sindical. Nós organizávamos encontros, reuniões e éramos todas mulheres que fazíamos isso. Jessie, Claudia Virginia, que era uma arquiteta e planejadora urbana, Cirléia que trabalhou na organização do centro de memória, Cilene que era uma italiana que trabalhava com educação popular vinculada a Igreja que também trabalhava com formação sindical como eu.


Então, nós todas estávamos no dia da greve. E nós já sabíamos que a coisa iria ser diferente dessa vez. Que havia um desgaste nessa relação da CSN com os operários e com as forças armadas que vinham invadir. Então já estávamos esperando o pior.[8]


 


A maioria dessas mulheres que trabalhavam com educação e formação politico sindical era de classe média com curso superior. Algumas delas já faziam mestrado nessa área e prestavam assessoria no sindicato dos Metalúrgicos.


 


No dia que estourou a greve, cada uma foi exercer o seu papel. No meu caso, foi todo mundo pra porta de fábrica, pros hospitais, onde estava a confusão e eu fiquei no sindicato. Com tanto que não saí do sindicato nesse dia.[9]


 


Segundo o relato de Marlene Fernandes, enquanto o exército invadia a Usina, com bombas e tiros, ela se encontrava dentro da sede do sindicato. Sua função, naquele momento, era o de informar a imprensa nacional e internacional do que estava acontecendo em Volta Redonda.


 


Eu fiquei telefonando pra imprensa, fazendo contato com a imprensa nacional e já recebendo telefonema da imprensa internacional. Então eu fiquei nessa articulação com a imprensa. Passava o que estava acontecendo. Pra mim, naquele momento, nós estávamos sofrendo um ataque das forças armadas. Que eles estavam invadindo a CSN e atirando na população e nos operários. E venham pra cá! É claro que com a greve já tinha muita gente de plantão aqui. Então eu exerci esse papel, eu e minhas companheiras. Nós tínhamos essa relação com o sindicato.[10]


 


Além do papel fundamental que Marlene Fernandes desempenhou naquele dia, ela também relatou a experiência de sua companheira Jessie Jane vivida do lado de fora do sindicato.


 


A Jessie, por exemplo, foi atrás do prefeito da cidade e disse assim: “Olha, você é o prefeito dessa cidade! Assuma sua autoridade nessa cidade! Aqui o estado de direito é você!”. Ela é ex-presa política, ela conhece essa gente. E ele foi para os hospitais ver os operários que tinham sido baleados. Ele era médico, né?[11]


 


Quando a greve chegou ao fim, a Igreja Católica juntamente com um grande grupo de mulheres organizaram um abraço a CSN. Milhares de pessoas deram as mãos e formaram uma corrente em volta da Companhia. Esse foi um ato simbólico paraselar a paz entre a CSN e a população de Volta Redonda.


É interessante salientar que a Igreja Católica foi um órgão fundamental para a sustentação dessa rede de cooperação que tanto falamos. Através de seu apoio e proteção, as mulheres das comunidades católicas puderam se unir e apoiar a greve mais do que só com orações. Se uniram com ações muito corajosas.


Assim como Maria das Dores, Marlene Fernandes, Conceição e Jessie Jane, cada mulher exerceu o seu papel de importância na greve 88. Através de seus locais de trabalho, de sua casas e de seus grupos paroquiais, elas articularam de diversas maneiras para dar suporte a greve.


 


Então a participação da mulher na greve de 88 foi uma participação fundamental no sentido de sustentar essa greve, tanto pra sustentar os maridos, os trabalhadores que estavam dentro da usina, como pra fazer a mobilização dos bairros e na cidade em geral.[12]


 


 


 


 


CONCLUSÃO


 


Ao longo deste artigo, procuramos analisar a atuação das mulheres em torno da greve de 1988 da CSN, tendo como ponto de partida a trajetória da CSN e da cidade de Volta Redonda.


O período que compreende a década de 80 é representado por uma sériede fatores decorrentes da redemocratização do país. Ao mesmo tempo em que ocorria uma efervescência sindical nas cidades industriais, as mulheres passaram a ser minimamente beneficiadas pelas políticas publicas. Um exemplo disso foi a vitória de Luiza Erudina para a prefeitura de São Paulo no ano de 1988.


Em Volta Redonda, esse clima de redemocratização exposto pelas greves e paralizações da CSN, rendeu uma das maiores greves de ocupação já ocorridas na história. Para nós, sobretudo, torna-se evidente a invisibilidade da mulher como sujeito participativo dessas formas de resistência realizadas em prol das causas trabalhistas.


 


Quando se trata da greve de 1988 da CSN, as mulheres são colocadas em um papel de coadjuvantes. São vistas pelo simples ato de levarem alimentos aos seus familiares que ocupavam a usina em dias de greve.Entretanto, nesse artigo podemos perceber com maior clareza que a atuação das mulheres na greve de 88 foi além disso.


Com o apoio da Igreja católica, a Cúria Diocesana serviu de local para a realização de reuniões periódicas onde mulheres militantes e sindicalistas se uniramcom as mulheres das comunidades eclesiásticas de base como forma de apoio e articulação das formas de resistência a greve.


As mulheres foram junto com os piquetes para as frentes de fábrica, panfletaram, noticiaram a greve, criaram barricadas, fizeram cordões de isolamento, enfrentaram a polícia militar. Elas deram base para a sustentação dessa greve.


 


 


 


REFERÊNCIAS


 


 


FONTES, Ângela Maria Mesquita; LAMARÃO, Sérgio Tadeu Niemeyer. Volta Redonda:história de uma cidade ou de uma usina?.Revista Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, n.18-19, jan/dez, p.241-254, 2006.


 


GRACIOLLI, Edílson. Um caldeirão chamado CSN: resistência operária e violência militar na grave de 88. Uberlândia: Edufu, 1997.


 


MANGABEIRA, Wilma. Os dilemas do novo sindicalismo. Rio de Janeiro: Anpocs, 1993.


 


MOREL, Regina Lúcia de Moraes. A ferro e fogo – construção e crise da “família siderúrgica”: o caso de Volta Redonda (1941 – 1988). Tese (Doutorado em Sociologia) USP. São Paulo, SP, 1989.


 


SARTI, Cynthia Andersen. O Feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória. Estudos Feministas. Florianópolis, v. 12, n.2, p.35-50, 2004.


 


 


 


[1] Família siderúrgica – Termo utilizado por MOREL para demonstrar o vínculo existente entre a CSN e a cidade de Volta Redonda.


[2]SARTI, Cynthia Andersen. O Feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória. Estudos Feministas. Florianópolis, v. 12, n.2, p.35-50, 2004.


[3]Relato - Maria das Dores Pereira Mota.


[4]Idem.


[5]Idem.


[6] Piquetes –Grupo de pessoas que se posta à entrada de fábricas, empresas, estabelecimentos, etc., para impedir a entrada de outras por ocasião de greve.


[7] Relato - Marlene Fernandes.


[8]Idem.


[9]Idem.


[10]Idem.


[11] Idem.


[12] Relato - Maria das Dores Pereira Mota.

Como Citar
DE ARAÚJO, Edimilson Mendonça; REIS, Isabel Nascente. MULHERES DE AÇO. Simpósio, [S.l.], n. 6, feb. 2018. ISSN 2317-5974. Disponível em: <https://revista.ugb.edu.br/index.php/simposio/article/view/748>. Acesso em: 24 nov. 2024.